sexta-feira, 19 de junho de 2009

projeto de pesquisa...

HENRIQUE FERREIRA DUARTE









A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE























Belo Horizonte
2008
Centro Universitário UNA
Faculdade de Ciências Humanas - Curso de História






Henrique Ferreira Duarte











A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE









Projeto apresentado como Trabalho Interdisciplinar ao Curso de Licenciatura em História da Faculdade de Ciências Humanas, do Centro Universitário UNA como requisito parcial à obtenção da Licenciatura em História.

Orientador: Alexandra Nascimento











Belo Horizonte
2008
SUMÁRIO

Tema ...........................................................................................................................
Objetivos ....................................................................................................................
Justificativa ................................................................................................................
Problematização .........................................................................................................
Revisão bibliográfica .................................................................................................
Metodologia ...............................................................................................................
Cronograma ................................................................................................................
Bibliografia ..................... ..........................................................................................












3
7
7
8
8
13
15
16
TEMA

A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE

APRESENTAÇÃO DO TEMA

Historiadores, cientistas políticos, sociólogos, filósofos, têm ressaltado em suas análises a importância desempenhada pela ação comunicativa nas relações humanas. Nesse ambiente, a busca por uma forma de comunicação que aproxime as pessoas, indo ao encontro de seus pares, faz com que as culturas urbanas desenvolvam formas alternativas de expressão. Afinal, o ser humano é conduzido por paixões e desejos que dão significados e sentido a suas ações (BARRETO, 2005).
Neste estudo o objeto de análise será o movimento do grafite como expressão de uma linguagem cultural e identitária na cidade de Belo Horizonte. A proposta desta pesquisa é estudar o grupo de grafiteiros, Uai Ters’s Crew, um grupo formado no ano de 2001, cuja maioria dos integrantes tiveram uma mesma origem de inserção no mundo do grafite, o Projeto Guernica[1].
Inicialmente, podemos nos perguntar a que tipo de movimento pertence os grafites, porque foram, e de certa maneira ainda são, compreendidos como originários de práticas subversivas. No entanto, nas civilizações mais remotas, eles se encontram presentes e revelam as marcas deixadas pelo ser humano do seu fazer material e imaterial em sociedade.
Por se tratar de um movimento urbano, o grafite abrange vários estilos, que foram se cristalizando ao longo do tempo a partir das relações existentes dentro do contexto e concepção social, político e cultural. Isso lhes confere uma natureza fragmentada, descontínua e coloca em questão os sistemas fixos de representação, que origina uma estética plural e múltipla. Porém ao longo do tempo, essa manifestação revela alguma coerência e identidade que lhe faculta o direito a uma história própria, com origens fundadas na expressão artística.
A efervescência e a efemeridade desta expressão das ruas requerem um tipo de análise historiográfica que supere seu caráter exclusivamente subversivo e que contemple uma investigação no campo cultural, a partir algumas discussões que têm origem na modernidade, tais como as relações dentro do campo social, explicitando assim as questões existentes entre o grafite e a vida desses sujeitos, o grafite e a política, o grafite a cultura de massa, cultura erudita e popular, cultura global e local e ainda entre o grafite e a arte. Segundo Dias (2007), os parâmetros estéticos e os valores a que estão submetidos os grafites, se encontram distantes dos modelos que serviram como referência às artes plásticas no passado. Nesse sentido, estão próximos das questões de efemeridade, de desmaterialização da obra, de uma nova dimensão cultural e de uma nova relação do grafite com o espaço público, que estão presentes no campo artístico desde o surgimento das vanguardas modernistas e dos desdobramentos na atualidade. (VIANA, 2007)
A intenção desta pesquisa não é a categorização do grafite apenas como uma forma de arte, mas a análise de sua linguagem e seu discurso, estabelecendo assim uma relação com a atual conjuntura histórica e social, com o intuito de explicar a relação entre o seu processo cultural e as suas motivações subjetivas. Cabe ressaltar que, dependendo da motivação, os grafites se submetem aos interesses individuais, coletivos, institucionais e até mesmo políticos. Sendo assim, existem momentos em que os grafiteiros lançam mão de seus procedimentos estabelecendo uma relação muitas vezes contraditória, porém de diálogo, entre a natureza underground de sua expressão com o campo histórico e social. Além dessa análise da relação entre o grafite e as sociedades contemporâneas, pretendo desenvolver este estudo focalizando outros aspectos relevantes para a análise, compreensão e explicação desse movimento juvenil, que tem ocupado os espaços públicos das grandes cidades de todo o globo. Por este motivo, pretendo buscar alguns pressupostos de outras áreas de conhecimento, propondo assumir um caráter interdisciplinar da história com a sociologia, a filosofia, a comunicação, a arte e a cultura, tornando-se assim as referências para a concretização da minha proposta de pesquisa.
O interesse pelo estudo dos grafites partiu da minha atual profissão, as artes plásticas, que me fez perceber o quanto essa produção cultural tem despertado o interesse de vários segmentos: o interesse na educação, com o objetivo de aproximar as crianças e os adolescentes de acordo com as questões ligadas ao universo das artes e das identidades de grupo.
O interesse das políticas públicas de Belo Horizonte, que através da ação do Projeto Guernica, idealizaram a proposta de promover efeitos de abertura nos grupos de grafiteiros, no que concerne a participação em outras idéias e concepções sobre a cidade e a ocupação de seus espaços. O objetivo é articular em torno dessa prática, a vivência e os conflitos gerados pela produção do grafite. Este fato se torna evidente, no que diz respeito à questão da ilegalidade, do risco e da repressão social. Outra áreas também se apropriam do grafite, como as artes, a moda e a mídia.
Este trabalho tem como foco cientifico, o estudo do grafite, como uma manifestação identitária e cultural dentro do diálogo com as relações históricas e sociais da contemporaneidade.
Vários estudos sobre o grafite serão fundamentais para a idealização desse projeto: “O guia ilustrado de grafite e quadrinhos” de Piero Bagnariol; “Vida de barro duro: cultura popular juvenil e grafite” dos autores, José Manuel Valenzuela Arce e Heloisa B.S Rocha; “American graffiti” de Achille Bonito Oliva; “Grafite, pichação e cia”., de Célia Maria Antonacci Ramos. Também utilizarei algumas teses e dissertações, que foram defendidas em Universidades brasileiras como: “A relação entre os grafites e o poder público” de Maria Inês Lodi; “Dissidência e subordinação:um estudo dos grafites como fenômenos estéticos/ cultural e seus desdobramentos” de Maria Luiza Dias Viena; “Signos subversivos uma leitura semiótica de grafismos urbanos” de Deborah Lopes Pennachin e Michael Hanke; “Etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole”, de Lucas Tavares Ferreira; “Escritos de rua- o grafite em Sabará, uma representação do “outro”” de Giovana Maria Nassif Henrique e Doralice de Barros Pereira. E as análises sobre juventude e hip-hop elaboradas por Juarez Dayrell. Outros autores que também serão importantes nessa pesquisa, por trazerem textos que me ajudarão a refletir sobre a cultura e identidade, são eles: Stuart hall, Michael Foucault, Lucilia da Almeida Neves Delgado, Antônio Firmino da Costa, José Machado Pais, Leila Maria da Silva Blass, Glória Diógenes, Henri Lefebvre, Steven Connor, dentre outros.
A proposta desse estudo é analisar o movimento grafiteiro como expressão cultural e identitária em Belo Horizonte, tomando como referência o grupo Uai Ter’s Crew. O nome do grupo, segundo entrevista realizada com participantes, surgiu de uma brincadeira a partir da forma pela qual s grafiteiros se autodenominam – escritores de rua, e também faz referencia à interjeição tipicamente mineira. Em meados de 2001, o grupo contava com apenas quatro participantes, o Hisne, o Warley, o Rakan e o Sandro (reconhecido no meio, como “Melão”). O grupo teve a sua formação pela afinidade entre os componentes. Em 2002 o grupo inicial, oriundo do Projeto Guernica, se uniu com outro grupo da comunidade da Vila Pinho. Ao longo do tempo houve a integração de outros grafiteiros.
Atualmente, o grupo conta com catorze integrantes. Ao longo do tempo o grupo foi adquirindo certo reconhecimento e sua formação atual não é estabelecida apenas como era na sua origem (uma união apenas pela identificação e pelo prazer recreativo da execução dos grafites). Hoje, os componentes do grupo estão constantemente participando de eventos, reuniões e encontros com outros grafiteiros. Alguns deles, já fizeram exposições, e outros, estão envolvidos em outros projetos, como é o exemplo do Sandro (Melão), que além de ser grafiteiro é estudante de Pedagogia, vive da arte e da educação, e está atualmente envolvido com projetos na área educacional, especificamente no projeto “Abrindo Espaço”, que promove oficinas de grafite dentro do espaço institucional da Escola Estadual Álvaro Laureano Pimentel. Em entrevista, o grafiteiro Sandro, relatou que: “Vivo da educação e da arte, levo para o meu trabalho artístico a linguagem da arte da rua” (Entrevista realizada em maio de 2008). Mesmo utilizando o grafite como uma profissão, para o entrevistado, o grafite é ainda um lazer.
Durante as entrevista, quando foi perguntado sobre quais as influências que eles tiveram para a realização do seu fazer cultural, os componentes do grupo, disseram terem sido influenciados diretamente, por alguns grafiteiros já renomados, como também pelo trabalho de alguns artistas plásticos. Entre os grafiteiros renomados foi quase unânime a influência de “Rezo”, um grafiteiro alemão, os Gêmeos e o Binho, (ambos brasileiros). Com relação aos artistas plásticos, citaram: Jackson Pollock, Frida Kalo, Miró, dentre outros. Durante as entrevistas, a maioria dos membros do grupo relataram ter entrado para o mundo do grafite pelo gosto e pela vontade de aprender a desenhar. Um componente em específico, o Rakan, disse que anteriormente a sua entrada no universo do grafite e do grupo, ele era um pichador[2].
Segundo relatado nas entrevistas, os encontros do grupo não possuem regularidade: “O grupo não tem uma periodicidade, uma regularidade desses encontros, às vezes nós nos encontramos de quinze em quinze dias, ou de mês em mês. Mas sempre que o grupo se reúne, sempre há uma discussão sobre o movimento do grafite, sobre a arte, os encontros não acontecem de forma oficial e regulada. (Entrevista realizada em maio de 2008).
O grupo relata ter um estilo “underground”: seus trabalhos dialogam com a cidade, e revelam a forma de como eles a sentem: “Nunca queremos brigar com a paisagem da cidade: a cidade é uma tela em aberto”. O grupo ressalta ainda que:

Em Belo Horizonte, existe uma abertura mínima para o movimento, a cidade é muito tradicional em relação à linguagem de rua. BH não é muito aberta para os grafiteiros, nós forçamos a utilização do espaço, o grupo quer intervir na cidade e se a cidade não abre espaços e não autoriza, nós nos apropriamos assim mesmo do espaço público. (Entrevista realizada em maio de 2008)

De acordo com o relato das entrevistas, o grupo elabora e desenvolve produções grafiticas que buscam ressaltar as dificuldades, as repressões, os medos, as angústias, a esperança por um mundo melhor e mais justo. Argumentam que, através do ato de pintar eles denunciam as injustiças e demonstram no espaço público que eles também aspiram por transformações, inserindo o movimento do grafite no jogo das relações sociais e de poder.
A proposta desta pesquisa é, tomando como referência o grupo Uai Ter’s Crew, compreender a inserção dos grafiteiros na sociedade belorizontina e analisar de que modo se forma a identidade desse grupo, em relação ao próprio grupo e aos demais. Este trabalho busca construir uma nova perspectiva nos estudos sobre a representação dos grafiteiros.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL
Compreender o movimento grafite em Belo Horizonte.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a. Analisar a história do movimento do grafite em Belo Horizonte.
b. Conhecer o Projeto Guernica.
c. Investigar a história do grupo Uai Ter’s Crew.
d. Analisar a performance dos grafiteiros como manifestação democrática dos jovens.

JUSTIFICATIVA

A justificativa desse projeto compreende os seguintes aspectos: relevância social, relevância cientifica e acadêmica e originalidade.
Por relevância social, podemos entender esse aspecto a partir do compromisso do Projeto Guernica, por meio do seu principal objetivo, de traçar uma política pública sobre o movimento dos grafiteiros em Belo Horizonte. Existe a proposta de incentivar esses sujeitos, em formação e ensino, para que assim possa haver uma diminuição do preconceito, da repressão e da ilegalidade desses sujeitos em relação ao campo social.
Por relevância cientifica, compreendemos a possibilidade desse projeto de pesquisa, contribuir para suprir as lacunas existentes sobre as pesquisas já oficializadas sobre o grafite.
A relevância acadêmica refere-se ao fato desse projeto constituir parte da rede de projetos de pesquisa desenvolvidos pelo Centro Universitário UNA.
A originalidade dessa pesquisa relaciona-se com a importância da efetivação de uma análise sobre o grupo: Uai Ter’s Crew, na análise da sua história em relação ao Projeto Guernica e na verificação das mudanças e das permanências da questão identitária dos sujeitos que se reconhecem como grafiteiros.
São aspectos que evidenciam a viabilidade deste projeto: a existência de um grupo, UAI TER’S CREW, onde os seus componentes se reconhecem e atuam como grafiteiros, dentro do espaço público de Belo Horizonte; a disponibilidade de fontes textuais e documentais relacionadas ao movimento do grafite.

PROBLEMATIZAÇÃO

Segundo Lodi (2003), o grafite pode se tornar um meio para, os jovens, adquirirem uma possível saída aos impasses existenciais e sociais a que estão sujeitos boa parte dos envolvidos nesta manifestação. Dessa forma, é perceptível que os grafites, tão próximos dos limites entre a lei e a transgressão dos jovens, funcionem como um redirecionamento para as ações positivas em suas vidas. O próprio hip-hop, que será abordado também nessa pesquisa, surgiu como uma alternativa frente às questões de violência e criminalidade juvenil, e entra como alternativa para superação dos problemas cotidianos. Arte e vida, imbricados num mesmo processo. Cair no tráfico de drogas ou pintar as paredes do bairro? Eis o dilema a que estão submetidos, muitas vezes, aos jovens dos bairros pobres das grandes cidades (LODI, 2003).
A partir dessa questão, explicitada pela Lodi (2003), instauramos como problematização de pesquisa, investigar as experiências e as vivências do grupo a ser analisado, levando em questão, o estudo e a compreensão dos impasses e das dificuldades da vida contemporânea .

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Num primeiro momento, proponho examinar o conceito da escrita, como necessária ao sujeito e como atrelada a um discurso. Sendo assim, a proposta desta pesquisa é investigar o grafite, percorrendo a trajetória de suas práticas, relacionando, as idéias da arte com o contexto histórico.
Sendo assim, torna-se necessário diferenciarmos a pichação do grafite e ressaltar que optaremos por esta grafia do termo, que consta nos dicionários da língua portuguesa, e não por graffiti. Contudo, a palavra graffiti será mantida quando aparecer em outros autores.
Segundo Lodi (2003), a maioria dos autores de ruas em Belo Horizonte, assim como nas outras cidades do Brasil, Américas, Europa, Estados Unidos, utilizam a palavra graffiti como emblemática, quase imprescindível à sua distância como grupo. Mantendo o termo grafite em português, podemos com mais propriedade interrogar um discurso e uma escrita que nos chegam de outros países. Na Europa e América do norte, o graffiti nomeia genericamente todas as formas de escrita das ruas, também referido como GRAFF, mas no Brasil, diferencia-se o grafite (ou graffiti) da pichação. (LODI, 2003).
O grafite, geralmente uma obra coletiva, acrescenta às letras da pichação o jogo de luz e sombra, o jogo de cores, o gigantismo, a perspectiva, e às vezes a imagem figurativa ou expressões e frases, formando um mural com pretensão de comunicar mensagens.
Assim, pode-se dizer de vários tipos de grafites, com diferentes conotações. Mesmo se nos restringimos às inscrições que usam o spray, o pincel, o rolinho, o giz, o lápis ou o estilete, ainda assim é grande a diversidade: há os “grafitos de banheiros”, como diz Barbosa (1984), há os pornográficos, há os que consistem em frases poéticas ou palavras de ordem de protesto ou reivindicação de cunho político, há aqueles ligados aos grupos esportivos ou religiosos, há os artísticos. (LODI, 2003).
O termo graffiti é o plural de graffito, em italiano. Foi nesta forma plural que ele estabeleceu na França, na Alemanha, na Holanda, nos Estados Unidos e em outros países, bem como no Brasil, para designar as inscrições urbanas, esta escrita artesanal ou artística das ruas. (LODI, 2003).
No dicionário Houaiss (2001) encontramos o grafite para designar o rabisco, o desenho ou letra nas paredes, muros ou monumentos de uma cidade, e poderíamos acrescentar: nos viadutos, caçambas de entulhos, orelhões, meio-fios, trens e metrôs, portas, portões, ruínas e áreas degradadas e até nas telas das galerias de arte.
Riout (1990), tentou uma diferenciação, ao considerar o graffiti como forma de mensagem a partir dos anos 1960, o caligraffiti, como aquele que tem por objetivo ver os nomes espalhados pelos metrôs e o picturograffiti, o que se inspira nas pinturas.
O termo é amplo, e não cabe no âmbito do projeto desvendarmos todas as possíveis conceituações do grafite, o que será explorado no desenvolvimento desta proposta de pesquisa. Proponho nesse momento fazer um breve levantamento do contexto que determinou a explosão do grafite, como forma de manifestação.
O cenário atual do grafite está diretamente ligado( mas não exclusivamente) ao desenvolvimento do hip-hop no Brasil, desde meados da década de 1980. O hip-hop origina-se nos bairros negros e pobres de Nova York, na década de 1970, surgindo como uma forma de expressão de cunho étnico, dos jovens afro-americanos e em poucos anos disseminou-se entre o grupo de jovens negros de outros países. (FERREIRA, 2006)
O hip-hop é formado por elementos expressivos distintos, a música rap, a dança, conhecida como break ou street dance, já o grafite, é a expressão visual e se manifesta como a arte plástica do hip-hop, que também surgiu na cidade de Nova York, no início dos anos 1970. A gênese deste elemento é atribuída a Demétrius, um jovem de origem grega que escrevia suas tags, ou seja, assinaturas, como forma de expressar o isolamento dos guetos. Os principais alvos dos grafiteiros eram os trens, pois estes circulavam por todas as regiões urbanas, fazendo com que a mensagem fosse lida por pessoas de toda parte da cidade. Porém, o poder público reagiu, criando espaços exclusivos para a prática da arte do grafite (SANTOS, 2006). Configuram-se então os quatro elementos do hip-hop: o MC, ou mestre de cerimônias, que é o cantor do RAP, o DJ ou disk jóquey, que comanda as bases musicais, através de toca-discos, sobre a qual os MC’S rimam suas letras, o B. BOY ou break boy e a B. GIRL, são os que dançam, e o grafiteiro propriamente dito, que é quem intervém através da arte visual. (FERREIRA, 2006)
Apesar de muitos grafiteiros reivindicarem o início do grafite no Brasil relacionando-o ao mundo do hip-hop, anteriormente já havia toda uma geração que fora às ruas para fazerem o grafite. Mesmo nos EUA, o surgimento do grafite é anterior a sua incorporação ao hip-hop. O grafite, realizado com o spray surge nos muros de Paris, em maio de 1968, como uma forma de manifestação cultural e política. Nos EUA, os jovens dos guetos, de origem negra e hispânica começam a fazer suas tags em bairros e no metrô, tomando em pouco tempo, a cidade de Nova York, por completa. No início os jovens usavam os chamados canetões, para logo em seguida utilizarem tintas e o spray, surgindo nesse contexto o hip-hop, que incorpora essa manifestação visual ao seu universo. (FERREIRA, 2006).
No contexto dos anos 1970 e 1980, surgem alguns nomes que fizeram com que o grafite adquirisse novos olhares, nomes como o de Basquiat, Keith Haring e Kenny Scharf, passaram a desenvolver e elaborar desenhos figurativos e em pouco tempo adquiriram notoriedade de artistas e levam as suas produções, que anteriormente eram expressas nas ruas para dentro das galerias de arte moderna. No Brasil, Alex Vallauri, que era ítalo-etíope e que residia no Brasil desde 1964, foi influenciado diretamente por esses indivíduos e é identificado como o pioneiro do grafite no Brasil. Paulo Vallauri, tal como os seus contemporâneos estrangeiros, foi reconhecido e participou de três bienais em São Paulo e desenvolveu uma técnica de pintar com moldes vazados, conhecida como Stencil Art, que possibilita grande agilidade e rapidez na sua realização, sempre é bom lembrarmos que nesse contexto, o Brasil, vivencia o período militar. A partir de Vallauri, surge a primeira geração de grafiteiros, como Maurício Villaça, John Haward, Ozéas Duarte, Vado do Cachimbo e o grupo Tupinãodá. (FERREIRA, 2006).
Glória Diógenes (1998) refere-se ao hip-hop como um movimento de jovens na periferia, que existe nas grandes metrópoles de quase todo o planeta, (DIÓGENES, 1998, p.24).
A partir daí, e com a estruturação de um discurso que correu o mundo, o conteúdo de idéias disseminou-se, transmitido oralmente, mas também por meio do suporte do mercado de consumo, com lojas e publicações especializadas. Esse discurso passa uma ideologia que prega a paz, a não-violência, o repúdio às drogas, a solidariedade entre os seus adeptos (“os manos do hip-hop”, sejam eles pichadores, grafiteiros, rappers, breakers, Dj’s), a formação de gangues, galeras ou crews com a predominância de jovens do sexo masculino, a conclamação à produção em grupo, (seja ela um rap, um grafiti ou um break), e ainda o uso de termos, tal como concebidos na origem, em Nova York como: WRITES, CREWW, TAG, OLD SCHOOL, NEW SCHOOL, WILD STYLE, FREE STYLE, THROW UP, STICKERS. A escrita que surge como efeito desse discurso também tem seus códigos e padrões peculiares, com prioridade para as letras, em geral ininteligíveis. (LODI, 2003).
Segundo Lodi (2003), em Belo Horizonte, os primeiros grafiteiros são chamados de “dinossauros” e esforçam-se para manter vivo o que chama de “grafite de raiz”, “o real grafite”, ou ainda a “essência do grafite”, condizente com “a história real do hip-hop”, o “hip-hop de raiz”, um movimento que prega um modo de viver e de pensar. A autora afirma que o movimento do hip-hop em Belo Horizonte, está mais próximo de suas origens do que em São Paulo e argumenta que hoje no Brasil, “o movimento”, no Brasil é mais puro do que nos EUA. Tendo como objetivo, conscientizar os jovens da periferia e explicita certa consciência que os integrantes do hip-hop tem acerca de seu movimento, indicando uma reflexão acerca de suas práticas. Nesse viés, o grafite, como elemento do hip-hop, é uma saída para os impasses da vida desses jovens. (LODI, 2003).
A diversidade de linguagens, as múltiplas experiências sensoriais, o ativismo político, a dissolução das fronteiras entre a arte e a vida e a aproximação com o cotidiano e com a cultura popular urbana foram questões que impulsionaram as manifestações das vanguardas e neo-vanguardas e estabeleceram uma relação direta com os grafites. Em todos os sentidos, tanto os grafites quanto as vanguardas foram processos gerados na esfera da desordem social, nas zonas de liberdade, onde emergem grupos que se afirmam em oposição ao consenso e buscam uma mensagem de ruptura. Nessa condição incluem-se os grafiteiros, que produzem um modo de vida desvencilhado da ordem social tradicional. (VIANA, 2007)
Dias (2007), explicita que, mesmo que os grafiteiros brotem da sub-cultura, do underground, eles cruzam-se com os campos da arte e da política, porque se movimentam em várias direções, depois retornam à rua. Eles se refazem a partir de outros fluxos à sua volta, como por exemplo: à mídia, a moda e às vezes fundem-se com outros gêneros, alternam, variam, sofrem abalos, movem-se para um lado e para o outro e mesmo que tenham suas formas absorvidas, a sua linguagem apropriada pelos diversos meios, haverá sempre algo na sua essência que irá existir para aquém e para além das formas instituídas, com a mesma autonomia na qual se desenvolvem as estruturas anárquicas. A força vital do grafite reside na sua potencialidade em resistir às coerções sociais e a latência de sua forma vincula-se à sua centralidade informal. (VIANA, 2007).
Dentro do movimento do grafite, os indivíduos que ali estão inseridos, se identificam e se denominam escritores das ruas, e são, em geral, jovens, do sexo masculino, moradores de bairros populares e portam um discurso articulado ao movimento do hip-hop, oriundo dos EUA. (LODI, 2003).
Entretanto, essa identidade não é tão cristalizada. Segundo Lucas Tavares (2006), existe uma tensão entre o grafite e o hip-hop, que só pode ser entendida dentro de um sistema mais amplo que os engloba e que diz respeito às sociabilidades entre o que é da periferia. Tais conflitos envolvem na apenas o graffite, mas também o BREAK, a PIXAÇÃO, o SKATE, tratando-se, portanto, de tensões próprias à dinâmica destas formas de sociabilidades que ao mesmo tempo em que reivindicam certa unidade em torno das experiências vividas nas ruas da metrópole, procuram se diferenciar na busca da valorização de uma autenticidade. (FERREIRA, 2006).
Segundo Viana (2007), a intertextualidade, a polissemia, a estrutura aberta, o desafio à originalidade e autenticidade, leva ao prazer da obra desconstrutivista que desmembra antigas formas para criar outras novas, transformando, desestruturando e tomando outras de empréstimos, invadindo ou construindo espaços e territórios reais e virtuais. Enquanto forem práticas exclusivas dos jovens, os grafites, sempre ressurgirão, em diferentes estilos, com maneiras diferentes de opor aos parâmetros institucionais da sociedade. É próprio da juventude, buscar formas avessas à família, à autoridade e que potencializem espaços neutros, reais ou virtuais de formação de redes de sociabilidades específicas das linguagens, a partir das quais os jovens se sintam inseridos na sociedade e assim possam constituir as suas identidades. (VIANA, 2007).

METODOLOGIA

A metodologia é um ponto de crucial importância para o historiador, haja vista que existe certa dependência do mesmo em relação a pressupostos teóricos e metodológicos, o trabalho com arquivos, dados da realidade, com critérios de cientificidade devido às técnicas próprias da disciplina, diferenciando a produção de um historiador da de um literário convencional (SANTOS, 2006). Como afirma Chartier (2002), mesmo que o historiador escreva de forma “literária”, o historiador não faz literatura.
Optamos por adotar uma metodologia de pesquisa qualitativa, por considerar a proposta de estudo em questão um fenômeno de natureza de grande complexidade. Segundo Goldenberg (2002), as pesquisas qualitativas “se opõem ao pressuposto que defende um método único de pesquisa” (GOLDENBERG, 2002, p. 16).
Para que possamos percorrer o caminho da construção desta pesquisa acadêmica, estipulamos como base metodológica a utilização de fontes documentais, a fonte oral e a fonte iconográfica.
Durante a realização da pesquisa bibliográfica foi escolhido como critério de seleção para a revisão e análise a utilização específica sobre o movimento do grafite na cidade de Belo Horizonte.
Ressaltamos que a grande parte dos trabalhos que abordam essa temática o fazem por meio de uma discussão sociológica, antropológica e artística, existindo poucas discussões historiográficas a respeito dessa temática.
Em função das limitações verificadas na coleta de dados quantitativos e de sua pouca utilidade para a discussão que se pretende fazer, achamos conveniente a realização de uma pesquisa qualitativa, baseada na coleta de depoimentos, ou seja, entrevistas realizadas no mês de Maio de 2008, com os componentes do grupo Uai Ter’s Crew, a entrevista procurou abordar a história do grupo.
O uso da metodologia de história oral nesta pesquisa teve a intenção de conhecer a história do grupo, bem como, preencher as lacunas deixadas pelas fontes escritas analisadas, por meio dos depoimentos orais dos sujeitos históricos envolvidos na temática abordada. Ressaltamos que este tipo de abordagem e tratamento metodológico tem-se voltado tanto para os estudos das elites e políticas públicas estaduais, como também para a recuperação da trajetória dos setores e dos grupos excluídos, cujas fontes escritas são precárias. No primeiro caso, o uso de depoimentos orais vem contribuir para a análise dos documentos oficiais, sobretudo o que se refere à tomada de decisões e lacunas observadas nos dados documentais. No segundo caso, o uso de fontes orais constitui instrumento de construção de identidade e de transformação social (BARRETO, 2005).
Nessa perspectiva, o campo da história oral, ao mesmo tempo em que funciona como recurso de investigação pelo historiador, torna viva a versão de indivíduos que não tiveram a chance de expressarem-se ou de registrar suas histórias outrora, podendo assim, dar voz a fatos e acontecimentos até então desconhecidos (SANTOS, 2006).
Também de valor imprescindível é o estudo da iconografia que se propõem a discutir as intervenções de grafite realizadas pelo grupo em questão. As ilustrações utilizadas nessa pesquisa serão valiosos recursos que por si só constituem textos expressivos, por fornecerem dados que escapam aos registros escritos e também por nos dar a possibilidade de assim elaborarmos uma série de questionamentos num verdadeiro processo de investigação. Essas imagens transmitem uma linguagem que vão além do que está aparentemente representado. A iconografia nos possibilitará criar novos focos de análises sobre a questão da identidade cultural, do grupo, na sua inserção no movimento do grafite, em Belo Horizonte.
O referencial bibliográfico tem nos fornecido sustentação teórica para o desenvolvimento do trabalho em relação aos depoimentos orais, quanto nas análises de documentos, da iconografia, bem como nos debates teórico-metodológico acerca de reflexões pertinentes a esta pesquisa.
Desta forma, abordagens no campo da historiografia que se propõem a discutir a importância, os problemas, as dificuldades, as mudanças e as permanências na contribuição da história, no debate com a Sociologia, a Filosofia, a história Cultural e a Arte, tem sido de extrema relevância.
Portanto, a utilização de fontes documentais, orais e iconográficas nos propiciará agregar um valor qualitativo na elaboração e execução da nossa pesquisa.
CRONOGRAMA

AÇÃO
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR
MAIO
JUN
Reelaboração do projeto
X










Revisão bibliográfica
X
X









Elaboração do roteiro de entrevistas

X









Entrevistas com o grupo de grafiteiros “Uai Ter´s Crew”


X








Redação dos primeiros capítulos da monografia


X
X
X






Redação do trabalho final





X
X
X
X


Revisão









X

Apresentação










X


BIBLIOGRAFIA

BAGNARIOL, Piero. Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 2004.
BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro. A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BARRETO, Anna Flávia Arruda Lanna. Os centros de integração como espaços de manifestação da barbárie: um estudo de caso da história da violência em Belo Horizonte. 2005. 405p. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
BONITO OLIVA, Achille. American Graffiti. Roma: Panepinto Arte, 1998.
CHARTIER, Roger. À beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002.
CONNOR, Steven: Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
COSTA, Antonio Firmino da. Sociedade de bairro: dinâmicas sociais da identidade cultural. Oeiras: Celta, 1999.
DAYRELL, Juarez. A música entra em cena: o RAP e o FUNK na socialização da juventude em Belo Horizonte. 2001. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História Oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento hip hop. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretária da Cultura e Desporto, 1998.
FERREIRA, Lucas Tavares. O traçado das redes: etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole/ Lucas Tavares Ferreira.— Dissertação (Mestrado)-Universidade de São Carlos: UFSCar, 2007
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências sociais. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
HENRIQUE, Giovana Maria Nassif; PEREIRA, Doralice Barros. Escritos de rua- o grafite em Sabará uma representação do “outro”. 2006. 136p. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Howais da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969.
----------------------- A Práxis: a relação social como processo, in: FORACCHI, M.M e MARTINS, J. S. Sociologia e Sociedade. 21. ed., Rio De Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1997.
LODI, Maria Inês. A escrita das ruas e o poder público no projeto Guernica de Belo Horizonte. 2003. 234f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica De Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
PAIS, José Machado; BLASS, Leila Maria da Silva. Tribos urbanas: produção artística e identidades. São Paulo: Annablume, 2004.
PENNACHIN, Deborah Lopes; HANKE, Michael. Signos subversivos uma leitura semiótica de grafismos urbanos. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite, pichação e cia. São Paulo: Annablume, 1994.
RIOUT, Denys, GURDJIAN, Dominique, LEROUX, Jean-Pierre. Lê livre du graffiti. Paris: Societé Européenne des Arts Graphiques, 1990.
SANTOS, Rafael Guarato: O movimento hip hop em Uberlândia: dança, música e identidades urbanas, 2000. 19p. Artigo Científico. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2000.
VALENZUELA ARCE, José Manuel; ROCHA, Heloisa B.S.. Vida de barro duro: Cultura popular juvenil e grafite. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
VIANA, Maria Luiza Dias; VENEROSO, Maria do Carmo de Freitas. Dissidência e Subordinação um estudo dos grafites como fenômeno estético/cultural e seus desdobramentos. 2007. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
[1] O Projeto Guernica é um projeto que começou a ser gestado em Belo Horizonte em 1999, e ainda hoje se encontra em funcionamento, com o objetivo de implantar uma política pública referente às escritas das ruas, ou seja, voltada para o controle da pichação e também para o incentivo dos grafiteiros, porque são eles que participam da construção dessa política e foi neles que o projeto fez um grande investimento de formação e ensino para que estivessem aptos a um trabalho com os pichadores (LODI, 2003).

[2] Pichações são tipos de escrita urbana, em que consiste num certo tipo e/ou estilo de grafemas mediante os quais os jovens escrevem seus nomes, por meio de uma assinatura: as tags, uma escrita rápida, selvagem e agressiva. Utilizando-se para isso, de alfabetos estilizados, com conformações diferentes nos diferentes lugares, mantendo, porém o caráter enigmático que se tornará uma espécie de estilo bastante próprio e representativo da cultura urbana. As pichações valem-se mais do local em que são escritas, como exemplo: o alto dos edifícios, um viaduto, do que aquilo que dizem, ou seja, quanto mais difícil e proibido for o acesso para a execução dessa escrita, maior será o prestígio do pichador. Revelando assim, a sua possibilidade constitutiva que opera no âmbito da transgressão e do choque, (VIANA, 2007).












HENRIQUE FERREIRA DUARTE













A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE























Belo Horizonte
2008
Centro Universitário UNA
Faculdade de Ciências Humanas - Curso de História






Henrique Ferreira Duarte











A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE









Projeto apresentado como Trabalho Interdisciplinar ao Curso de Licenciatura em História da Faculdade de Ciências Humanas, do Centro Universitário UNA como requisito parcial à obtenção da Licenciatura em História.

Orientador: Alexandra Nascimento











Belo Horizonte
2008
SUMÁRIO

Tema ...........................................................................................................................
Objetivos ....................................................................................................................
Justificativa ................................................................................................................
Problematização .........................................................................................................
Revisão bibliográfica .................................................................................................
Metodologia ...............................................................................................................
Cronograma ................................................................................................................
Bibliografia ..................... ..........................................................................................












3
7
7
8
8
13
15
16
TEMA

A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE

APRESENTAÇÃO DO TEMA

Historiadores, cientistas políticos, sociólogos, filósofos, têm ressaltado em suas análises a importância desempenhada pela ação comunicativa nas relações humanas. Nesse ambiente, a busca por uma forma de comunicação que aproxime as pessoas, indo ao encontro de seus pares, faz com que as culturas urbanas desenvolvam formas alternativas de expressão. Afinal, o ser humano é conduzido por paixões e desejos que dão significados e sentido a suas ações (BARRETO, 2005).
Neste estudo o objeto de análise será o movimento do grafite como expressão de uma linguagem cultural e identitária na cidade de Belo Horizonte. A proposta desta pesquisa é estudar o grupo de grafiteiros, Uai Ters’s Crew, um grupo formado no ano de 2001, cuja maioria dos integrantes tiveram uma mesma origem de inserção no mundo do grafite, o Projeto Guernica[1].
Inicialmente, podemos nos perguntar a que tipo de movimento pertence os grafites, porque foram, e de certa maneira ainda são, compreendidos como originários de práticas subversivas. No entanto, nas civilizações mais remotas, eles se encontram presentes e revelam as marcas deixadas pelo ser humano do seu fazer material e imaterial em sociedade.
Por se tratar de um movimento urbano, o grafite abrange vários estilos, que foram se cristalizando ao longo do tempo a partir das relações existentes dentro do contexto e concepção social, político e cultural. Isso lhes confere uma natureza fragmentada, descontínua e coloca em questão os sistemas fixos de representação, que origina uma estética plural e múltipla. Porém ao longo do tempo, essa manifestação revela alguma coerência e identidade que lhe faculta o direito a uma história própria, com origens fundadas na expressão artística.
A efervescência e a efemeridade desta expressão das ruas requerem um tipo de análise historiográfica que supere seu caráter exclusivamente subversivo e que contemple uma investigação no campo cultural, a partir algumas discussões que têm origem na modernidade, tais como as relações dentro do campo social, explicitando assim as questões existentes entre o grafite e a vida desses sujeitos, o grafite e a política, o grafite a cultura de massa, cultura erudita e popular, cultura global e local e ainda entre o grafite e a arte. Segundo Dias (2007), os parâmetros estéticos e os valores a que estão submetidos os grafites, se encontram distantes dos modelos que serviram como referência às artes plásticas no passado. Nesse sentido, estão próximos das questões de efemeridade, de desmaterialização da obra, de uma nova dimensão cultural e de uma nova relação do grafite com o espaço público, que estão presentes no campo artístico desde o surgimento das vanguardas modernistas e dos desdobramentos na atualidade. (VIANA, 2007)
A intenção desta pesquisa não é a categorização do grafite apenas como uma forma de arte, mas a análise de sua linguagem e seu discurso, estabelecendo assim uma relação com a atual conjuntura histórica e social, com o intuito de explicar a relação entre o seu processo cultural e as suas motivações subjetivas. Cabe ressaltar que, dependendo da motivação, os grafites se submetem aos interesses individuais, coletivos, institucionais e até mesmo políticos. Sendo assim, existem momentos em que os grafiteiros lançam mão de seus procedimentos estabelecendo uma relação muitas vezes contraditória, porém de diálogo, entre a natureza underground de sua expressão com o campo histórico e social. Além dessa análise da relação entre o grafite e as sociedades contemporâneas, pretendo desenvolver este estudo focalizando outros aspectos relevantes para a análise, compreensão e explicação desse movimento juvenil, que tem ocupado os espaços públicos das grandes cidades de todo o globo. Por este motivo, pretendo buscar alguns pressupostos de outras áreas de conhecimento, propondo assumir um caráter interdisciplinar da história com a sociologia, a filosofia, a comunicação, a arte e a cultura, tornando-se assim as referências para a concretização da minha proposta de pesquisa.
O interesse pelo estudo dos grafites partiu da minha atual profissão, as artes plásticas, que me fez perceber o quanto essa produção cultural tem despertado o interesse de vários segmentos: o interesse na educação, com o objetivo de aproximar as crianças e os adolescentes de acordo com as questões ligadas ao universo das artes e das identidades de grupo.
O interesse das políticas públicas de Belo Horizonte, que através da ação do Projeto Guernica, idealizaram a proposta de promover efeitos de abertura nos grupos de grafiteiros, no que concerne a participação em outras idéias e concepções sobre a cidade e a ocupação de seus espaços. O objetivo é articular em torno dessa prática, a vivência e os conflitos gerados pela produção do grafite. Este fato se torna evidente, no que diz respeito à questão da ilegalidade, do risco e da repressão social. Outra áreas também se apropriam do grafite, como as artes, a moda e a mídia.
Este trabalho tem como foco cientifico, o estudo do grafite, como uma manifestação identitária e cultural dentro do diálogo com as relações históricas e sociais da contemporaneidade.
Vários estudos sobre o grafite serão fundamentais para a idealização desse projeto: “O guia ilustrado de grafite e quadrinhos” de Piero Bagnariol; “Vida de barro duro: cultura popular juvenil e grafite” dos autores, José Manuel Valenzuela Arce e Heloisa B.S Rocha; “American graffiti” de Achille Bonito Oliva; “Grafite, pichação e cia”., de Célia Maria Antonacci Ramos. Também utilizarei algumas teses e dissertações, que foram defendidas em Universidades brasileiras como: “A relação entre os grafites e o poder público” de Maria Inês Lodi; “Dissidência e subordinação:um estudo dos grafites como fenômenos estéticos/ cultural e seus desdobramentos” de Maria Luiza Dias Viena; “Signos subversivos uma leitura semiótica de grafismos urbanos” de Deborah Lopes Pennachin e Michael Hanke; “Etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole”, de Lucas Tavares Ferreira; “Escritos de rua- o grafite em Sabará, uma representação do “outro”” de Giovana Maria Nassif Henrique e Doralice de Barros Pereira. E as análises sobre juventude e hip-hop elaboradas por Juarez Dayrell. Outros autores que também serão importantes nessa pesquisa, por trazerem textos que me ajudarão a refletir sobre a cultura e identidade, são eles: Stuart hall, Michael Foucault, Lucilia da Almeida Neves Delgado, Antônio Firmino da Costa, José Machado Pais, Leila Maria da Silva Blass, Glória Diógenes, Henri Lefebvre, Steven Connor, dentre outros.
A proposta desse estudo é analisar o movimento grafiteiro como expressão cultural e identitária em Belo Horizonte, tomando como referência o grupo Uai Ter’s Crew. O nome do grupo, segundo entrevista realizada com participantes, surgiu de uma brincadeira a partir da forma pela qual s grafiteiros se autodenominam – escritores de rua, e também faz referencia à interjeição tipicamente mineira. Em meados de 2001, o grupo contava com apenas quatro participantes, o Hisne, o Warley, o Rakan e o Sandro (reconhecido no meio, como “Melão”). O grupo teve a sua formação pela afinidade entre os componentes. Em 2002 o grupo inicial, oriundo do Projeto Guernica, se uniu com outro grupo da comunidade da Vila Pinho. Ao longo do tempo houve a integração de outros grafiteiros.
Atualmente, o grupo conta com catorze integrantes. Ao longo do tempo o grupo foi adquirindo certo reconhecimento e sua formação atual não é estabelecida apenas como era na sua origem (uma união apenas pela identificação e pelo prazer recreativo da execução dos grafites). Hoje, os componentes do grupo estão constantemente participando de eventos, reuniões e encontros com outros grafiteiros. Alguns deles, já fizeram exposições, e outros, estão envolvidos em outros projetos, como é o exemplo do Sandro (Melão), que além de ser grafiteiro é estudante de Pedagogia, vive da arte e da educação, e está atualmente envolvido com projetos na área educacional, especificamente no projeto “Abrindo Espaço”, que promove oficinas de grafite dentro do espaço institucional da Escola Estadual Álvaro Laureano Pimentel. Em entrevista, o grafiteiro Sandro, relatou que: “Vivo da educação e da arte, levo para o meu trabalho artístico a linguagem da arte da rua” (Entrevista realizada em maio de 2008). Mesmo utilizando o grafite como uma profissão, para o entrevistado, o grafite é ainda um lazer.
Durante as entrevista, quando foi perguntado sobre quais as influências que eles tiveram para a realização do seu fazer cultural, os componentes do grupo, disseram terem sido influenciados diretamente, por alguns grafiteiros já renomados, como também pelo trabalho de alguns artistas plásticos. Entre os grafiteiros renomados foi quase unânime a influência de “Rezo”, um grafiteiro alemão, os Gêmeos e o Binho, (ambos brasileiros). Com relação aos artistas plásticos, citaram: Jackson Pollock, Frida Kalo, Miró, dentre outros. Durante as entrevistas, a maioria dos membros do grupo relataram ter entrado para o mundo do grafite pelo gosto e pela vontade de aprender a desenhar. Um componente em específico, o Rakan, disse que anteriormente a sua entrada no universo do grafite e do grupo, ele era um pichador[2].
Segundo relatado nas entrevistas, os encontros do grupo não possuem regularidade: “O grupo não tem uma periodicidade, uma regularidade desses encontros, às vezes nós nos encontramos de quinze em quinze dias, ou de mês em mês. Mas sempre que o grupo se reúne, sempre há uma discussão sobre o movimento do grafite, sobre a arte, os encontros não acontecem de forma oficial e regulada. (Entrevista realizada em maio de 2008).
O grupo relata ter um estilo “underground”: seus trabalhos dialogam com a cidade, e revelam a forma de como eles a sentem: “Nunca queremos brigar com a paisagem da cidade: a cidade é uma tela em aberto”. O grupo ressalta ainda que:

Em Belo Horizonte, existe uma abertura mínima para o movimento, a cidade é muito tradicional em relação à linguagem de rua. BH não é muito aberta para os grafiteiros, nós forçamos a utilização do espaço, o grupo quer intervir na cidade e se a cidade não abre espaços e não autoriza, nós nos apropriamos assim mesmo do espaço público. (Entrevista realizada em maio de 2008)

De acordo com o relato das entrevistas, o grupo elabora e desenvolve produções grafiticas que buscam ressaltar as dificuldades, as repressões, os medos, as angústias, a esperança por um mundo melhor e mais justo. Argumentam que, através do ato de pintar eles denunciam as injustiças e demonstram no espaço público que eles também aspiram por transformações, inserindo o movimento do grafite no jogo das relações sociais e de poder.
A proposta desta pesquisa é, tomando como referência o grupo Uai Ter’s Crew, compreender a inserção dos grafiteiros na sociedade belorizontina e analisar de que modo se forma a identidade desse grupo, em relação ao próprio grupo e aos demais. Este trabalho busca construir uma nova perspectiva nos estudos sobre a representação dos grafiteiros.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL
Compreender o movimento grafite em Belo Horizonte.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a. Analisar a história do movimento do grafite em Belo Horizonte.
b. Conhecer o Projeto Guernica.
c. Investigar a história do grupo Uai Ter’s Crew.
d. Analisar a performance dos grafiteiros como manifestação democrática dos jovens.

JUSTIFICATIVA

A justificativa desse projeto compreende os seguintes aspectos: relevância social, relevância cientifica e acadêmica e originalidade.
Por relevância social, podemos entender esse aspecto a partir do compromisso do Projeto Guernica, por meio do seu principal objetivo, de traçar uma política pública sobre o movimento dos grafiteiros em Belo Horizonte. Existe a proposta de incentivar esses sujeitos, em formação e ensino, para que assim possa haver uma diminuição do preconceito, da repressão e da ilegalidade desses sujeitos em relação ao campo social.
Por relevância cientifica, compreendemos a possibilidade desse projeto de pesquisa, contribuir para suprir as lacunas existentes sobre as pesquisas já oficializadas sobre o grafite.
A relevância acadêmica refere-se ao fato desse projeto constituir parte da rede de projetos de pesquisa desenvolvidos pelo Centro Universitário UNA.
A originalidade dessa pesquisa relaciona-se com a importância da efetivação de uma análise sobre o grupo: Uai Ter’s Crew, na análise da sua história em relação ao Projeto Guernica e na verificação das mudanças e das permanências da questão identitária dos sujeitos que se reconhecem como grafiteiros.
São aspectos que evidenciam a viabilidade deste projeto: a existência de um grupo, UAI TER’S CREW, onde os seus componentes se reconhecem e atuam como grafiteiros, dentro do espaço público de Belo Horizonte; a disponibilidade de fontes textuais e documentais relacionadas ao movimento do grafite.

PROBLEMATIZAÇÃO

Segundo Lodi (2003), o grafite pode se tornar um meio para, os jovens, adquirirem uma possível saída aos impasses existenciais e sociais a que estão sujeitos boa parte dos envolvidos nesta manifestação. Dessa forma, é perceptível que os grafites, tão próximos dos limites entre a lei e a transgressão dos jovens, funcionem como um redirecionamento para as ações positivas em suas vidas. O próprio hip-hop, que será abordado também nessa pesquisa, surgiu como uma alternativa frente às questões de violência e criminalidade juvenil, e entra como alternativa para superação dos problemas cotidianos. Arte e vida, imbricados num mesmo processo. Cair no tráfico de drogas ou pintar as paredes do bairro? Eis o dilema a que estão submetidos, muitas vezes, aos jovens dos bairros pobres das grandes cidades (LODI, 2003).
A partir dessa questão, explicitada pela Lodi (2003), instauramos como problematização de pesquisa, investigar as experiências e as vivências do grupo a ser analisado, levando em questão, o estudo e a compreensão dos impasses e das dificuldades da vida contemporânea .

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Num primeiro momento, proponho examinar o conceito da escrita, como necessária ao sujeito e como atrelada a um discurso. Sendo assim, a proposta desta pesquisa é investigar o grafite, percorrendo a trajetória de suas práticas, relacionando, as idéias da arte com o contexto histórico.
Sendo assim, torna-se necessário diferenciarmos a pichação do grafite e ressaltar que optaremos por esta grafia do termo, que consta nos dicionários da língua portuguesa, e não por graffiti. Contudo, a palavra graffiti será mantida quando aparecer em outros autores.
Segundo Lodi (2003), a maioria dos autores de ruas em Belo Horizonte, assim como nas outras cidades do Brasil, Américas, Europa, Estados Unidos, utilizam a palavra graffiti como emblemática, quase imprescindível à sua distância como grupo. Mantendo o termo grafite em português, podemos com mais propriedade interrogar um discurso e uma escrita que nos chegam de outros países. Na Europa e América do norte, o graffiti nomeia genericamente todas as formas de escrita das ruas, também referido como GRAFF, mas no Brasil, diferencia-se o grafite (ou graffiti) da pichação. (LODI, 2003).
O grafite, geralmente uma obra coletiva, acrescenta às letras da pichação o jogo de luz e sombra, o jogo de cores, o gigantismo, a perspectiva, e às vezes a imagem figurativa ou expressões e frases, formando um mural com pretensão de comunicar mensagens.
Assim, pode-se dizer de vários tipos de grafites, com diferentes conotações. Mesmo se nos restringimos às inscrições que usam o spray, o pincel, o rolinho, o giz, o lápis ou o estilete, ainda assim é grande a diversidade: há os “grafitos de banheiros”, como diz Barbosa (1984), há os pornográficos, há os que consistem em frases poéticas ou palavras de ordem de protesto ou reivindicação de cunho político, há aqueles ligados aos grupos esportivos ou religiosos, há os artísticos. (LODI, 2003).
O termo graffiti é o plural de graffito, em italiano. Foi nesta forma plural que ele estabeleceu na França, na Alemanha, na Holanda, nos Estados Unidos e em outros países, bem como no Brasil, para designar as inscrições urbanas, esta escrita artesanal ou artística das ruas. (LODI, 2003).
No dicionário Houaiss (2001) encontramos o grafite para designar o rabisco, o desenho ou letra nas paredes, muros ou monumentos de uma cidade, e poderíamos acrescentar: nos viadutos, caçambas de entulhos, orelhões, meio-fios, trens e metrôs, portas, portões, ruínas e áreas degradadas e até nas telas das galerias de arte.
Riout (1990), tentou uma diferenciação, ao considerar o graffiti como forma de mensagem a partir dos anos 1960, o caligraffiti, como aquele que tem por objetivo ver os nomes espalhados pelos metrôs e o picturograffiti, o que se inspira nas pinturas.
O termo é amplo, e não cabe no âmbito do projeto desvendarmos todas as possíveis conceituações do grafite, o que será explorado no desenvolvimento desta proposta de pesquisa. Proponho nesse momento fazer um breve levantamento do contexto que determinou a explosão do grafite, como forma de manifestação.
O cenário atual do grafite está diretamente ligado( mas não exclusivamente) ao desenvolvimento do hip-hop no Brasil, desde meados da década de 1980. O hip-hop origina-se nos bairros negros e pobres de Nova York, na década de 1970, surgindo como uma forma de expressão de cunho étnico, dos jovens afro-americanos e em poucos anos disseminou-se entre o grupo de jovens negros de outros países. (FERREIRA, 2006)
O hip-hop é formado por elementos expressivos distintos, a música rap, a dança, conhecida como break ou street dance, já o grafite, é a expressão visual e se manifesta como a arte plástica do hip-hop, que também surgiu na cidade de Nova York, no início dos anos 1970. A gênese deste elemento é atribuída a Demétrius, um jovem de origem grega que escrevia suas tags, ou seja, assinaturas, como forma de expressar o isolamento dos guetos. Os principais alvos dos grafiteiros eram os trens, pois estes circulavam por todas as regiões urbanas, fazendo com que a mensagem fosse lida por pessoas de toda parte da cidade. Porém, o poder público reagiu, criando espaços exclusivos para a prática da arte do grafite (SANTOS, 2006). Configuram-se então os quatro elementos do hip-hop: o MC, ou mestre de cerimônias, que é o cantor do RAP, o DJ ou disk jóquey, que comanda as bases musicais, através de toca-discos, sobre a qual os MC’S rimam suas letras, o B. BOY ou break boy e a B. GIRL, são os que dançam, e o grafiteiro propriamente dito, que é quem intervém através da arte visual. (FERREIRA, 2006)
Apesar de muitos grafiteiros reivindicarem o início do grafite no Brasil relacionando-o ao mundo do hip-hop, anteriormente já havia toda uma geração que fora às ruas para fazerem o grafite. Mesmo nos EUA, o surgimento do grafite é anterior a sua incorporação ao hip-hop. O grafite, realizado com o spray surge nos muros de Paris, em maio de 1968, como uma forma de manifestação cultural e política. Nos EUA, os jovens dos guetos, de origem negra e hispânica começam a fazer suas tags em bairros e no metrô, tomando em pouco tempo, a cidade de Nova York, por completa. No início os jovens usavam os chamados canetões, para logo em seguida utilizarem tintas e o spray, surgindo nesse contexto o hip-hop, que incorpora essa manifestação visual ao seu universo. (FERREIRA, 2006).
No contexto dos anos 1970 e 1980, surgem alguns nomes que fizeram com que o grafite adquirisse novos olhares, nomes como o de Basquiat, Keith Haring e Kenny Scharf, passaram a desenvolver e elaborar desenhos figurativos e em pouco tempo adquiriram notoriedade de artistas e levam as suas produções, que anteriormente eram expressas nas ruas para dentro das galerias de arte moderna. No Brasil, Alex Vallauri, que era ítalo-etíope e que residia no Brasil desde 1964, foi influenciado diretamente por esses indivíduos e é identificado como o pioneiro do grafite no Brasil. Paulo Vallauri, tal como os seus contemporâneos estrangeiros, foi reconhecido e participou de três bienais em São Paulo e desenvolveu uma técnica de pintar com moldes vazados, conhecida como Stencil Art, que possibilita grande agilidade e rapidez na sua realização, sempre é bom lembrarmos que nesse contexto, o Brasil, vivencia o período militar. A partir de Vallauri, surge a primeira geração de grafiteiros, como Maurício Villaça, John Haward, Ozéas Duarte, Vado do Cachimbo e o grupo Tupinãodá. (FERREIRA, 2006).
Glória Diógenes (1998) refere-se ao hip-hop como um movimento de jovens na periferia, que existe nas grandes metrópoles de quase todo o planeta, (DIÓGENES, 1998, p.24).
A partir daí, e com a estruturação de um discurso que correu o mundo, o conteúdo de idéias disseminou-se, transmitido oralmente, mas também por meio do suporte do mercado de consumo, com lojas e publicações especializadas. Esse discurso passa uma ideologia que prega a paz, a não-violência, o repúdio às drogas, a solidariedade entre os seus adeptos (“os manos do hip-hop”, sejam eles pichadores, grafiteiros, rappers, breakers, Dj’s), a formação de gangues, galeras ou crews com a predominância de jovens do sexo masculino, a conclamação à produção em grupo, (seja ela um rap, um grafiti ou um break), e ainda o uso de termos, tal como concebidos na origem, em Nova York como: WRITES, CREWW, TAG, OLD SCHOOL, NEW SCHOOL, WILD STYLE, FREE STYLE, THROW UP, STICKERS. A escrita que surge como efeito desse discurso também tem seus códigos e padrões peculiares, com prioridade para as letras, em geral ininteligíveis. (LODI, 2003).
Segundo Lodi (2003), em Belo Horizonte, os primeiros grafiteiros são chamados de “dinossauros” e esforçam-se para manter vivo o que chama de “grafite de raiz”, “o real grafite”, ou ainda a “essência do grafite”, condizente com “a história real do hip-hop”, o “hip-hop de raiz”, um movimento que prega um modo de viver e de pensar. A autora afirma que o movimento do hip-hop em Belo Horizonte, está mais próximo de suas origens do que em São Paulo e argumenta que hoje no Brasil, “o movimento”, no Brasil é mais puro do que nos EUA. Tendo como objetivo, conscientizar os jovens da periferia e explicita certa consciência que os integrantes do hip-hop tem acerca de seu movimento, indicando uma reflexão acerca de suas práticas. Nesse viés, o grafite, como elemento do hip-hop, é uma saída para os impasses da vida desses jovens. (LODI, 2003).
A diversidade de linguagens, as múltiplas experiências sensoriais, o ativismo político, a dissolução das fronteiras entre a arte e a vida e a aproximação com o cotidiano e com a cultura popular urbana foram questões que impulsionaram as manifestações das vanguardas e neo-vanguardas e estabeleceram uma relação direta com os grafites. Em todos os sentidos, tanto os grafites quanto as vanguardas foram processos gerados na esfera da desordem social, nas zonas de liberdade, onde emergem grupos que se afirmam em oposição ao consenso e buscam uma mensagem de ruptura. Nessa condição incluem-se os grafiteiros, que produzem um modo de vida desvencilhado da ordem social tradicional. (VIANA, 2007)
Dias (2007), explicita que, mesmo que os grafiteiros brotem da sub-cultura, do underground, eles cruzam-se com os campos da arte e da política, porque se movimentam em várias direções, depois retornam à rua. Eles se refazem a partir de outros fluxos à sua volta, como por exemplo: à mídia, a moda e às vezes fundem-se com outros gêneros, alternam, variam, sofrem abalos, movem-se para um lado e para o outro e mesmo que tenham suas formas absorvidas, a sua linguagem apropriada pelos diversos meios, haverá sempre algo na sua essência que irá existir para aquém e para além das formas instituídas, com a mesma autonomia na qual se desenvolvem as estruturas anárquicas. A força vital do grafite reside na sua potencialidade em resistir às coerções sociais e a latência de sua forma vincula-se à sua centralidade informal. (VIANA, 2007).
Dentro do movimento do grafite, os indivíduos que ali estão inseridos, se identificam e se denominam escritores das ruas, e são, em geral, jovens, do sexo masculino, moradores de bairros populares e portam um discurso articulado ao movimento do hip-hop, oriundo dos EUA. (LODI, 2003).
Entretanto, essa identidade não é tão cristalizada. Segundo Lucas Tavares (2006), existe uma tensão entre o grafite e o hip-hop, que só pode ser entendida dentro de um sistema mais amplo que os engloba e que diz respeito às sociabilidades entre o que é da periferia. Tais conflitos envolvem na apenas o graffite, mas também o BREAK, a PIXAÇÃO, o SKATE, tratando-se, portanto, de tensões próprias à dinâmica destas formas de sociabilidades que ao mesmo tempo em que reivindicam certa unidade em torno das experiências vividas nas ruas da metrópole, procuram se diferenciar na busca da valorização de uma autenticidade. (FERREIRA, 2006).
Segundo Viana (2007), a intertextualidade, a polissemia, a estrutura aberta, o desafio à originalidade e autenticidade, leva ao prazer da obra desconstrutivista que desmembra antigas formas para criar outras novas, transformando, desestruturando e tomando outras de empréstimos, invadindo ou construindo espaços e territórios reais e virtuais. Enquanto forem práticas exclusivas dos jovens, os grafites, sempre ressurgirão, em diferentes estilos, com maneiras diferentes de opor aos parâmetros institucionais da sociedade. É próprio da juventude, buscar formas avessas à família, à autoridade e que potencializem espaços neutros, reais ou virtuais de formação de redes de sociabilidades específicas das linguagens, a partir das quais os jovens se sintam inseridos na sociedade e assim possam constituir as suas identidades. (VIANA, 2007).

METODOLOGIA

A metodologia é um ponto de crucial importância para o historiador, haja vista que existe certa dependência do mesmo em relação a pressupostos teóricos e metodológicos, o trabalho com arquivos, dados da realidade, com critérios de cientificidade devido às técnicas próprias da disciplina, diferenciando a produção de um historiador da de um literário convencional (SANTOS, 2006). Como afirma Chartier (2002), mesmo que o historiador escreva de forma “literária”, o historiador não faz literatura.
Optamos por adotar uma metodologia de pesquisa qualitativa, por considerar a proposta de estudo em questão um fenômeno de natureza de grande complexidade. Segundo Goldenberg (2002), as pesquisas qualitativas “se opõem ao pressuposto que defende um método único de pesquisa” (GOLDENBERG, 2002, p. 16).
Para que possamos percorrer o caminho da construção desta pesquisa acadêmica, estipulamos como base metodológica a utilização de fontes documentais, a fonte oral e a fonte iconográfica.
Durante a realização da pesquisa bibliográfica foi escolhido como critério de seleção para a revisão e análise a utilização específica sobre o movimento do grafite na cidade de Belo Horizonte.
Ressaltamos que a grande parte dos trabalhos que abordam essa temática o fazem por meio de uma discussão sociológica, antropológica e artística, existindo poucas discussões historiográficas a respeito dessa temática.
Em função das limitações verificadas na coleta de dados quantitativos e de sua pouca utilidade para a discussão que se pretende fazer, achamos conveniente a realização de uma pesquisa qualitativa, baseada na coleta de depoimentos, ou seja, entrevistas realizadas no mês de Maio de 2008, com os componentes do grupo Uai Ter’s Crew, a entrevista procurou abordar a história do grupo.
O uso da metodologia de história oral nesta pesquisa teve a intenção de conhecer a história do grupo, bem como, preencher as lacunas deixadas pelas fontes escritas analisadas, por meio dos depoimentos orais dos sujeitos históricos envolvidos na temática abordada. Ressaltamos que este tipo de abordagem e tratamento metodológico tem-se voltado tanto para os estudos das elites e políticas públicas estaduais, como também para a recuperação da trajetória dos setores e dos grupos excluídos, cujas fontes escritas são precárias. No primeiro caso, o uso de depoimentos orais vem contribuir para a análise dos documentos oficiais, sobretudo o que se refere à tomada de decisões e lacunas observadas nos dados documentais. No segundo caso, o uso de fontes orais constitui instrumento de construção de identidade e de transformação social (BARRETO, 2005).
Nessa perspectiva, o campo da história oral, ao mesmo tempo em que funciona como recurso de investigação pelo historiador, torna viva a versão de indivíduos que não tiveram a chance de expressarem-se ou de registrar suas histórias outrora, podendo assim, dar voz a fatos e acontecimentos até então desconhecidos (SANTOS, 2006).
Também de valor imprescindível é o estudo da iconografia que se propõem a discutir as intervenções de grafite realizadas pelo grupo em questão. As ilustrações utilizadas nessa pesquisa serão valiosos recursos que por si só constituem textos expressivos, por fornecerem dados que escapam aos registros escritos e também por nos dar a possibilidade de assim elaborarmos uma série de questionamentos num verdadeiro processo de investigação. Essas imagens transmitem uma linguagem que vão além do que está aparentemente representado. A iconografia nos possibilitará criar novos focos de análises sobre a questão da identidade cultural, do grupo, na sua inserção no movimento do grafite, em Belo Horizonte.
O referencial bibliográfico tem nos fornecido sustentação teórica para o desenvolvimento do trabalho em relação aos depoimentos orais, quanto nas análises de documentos, da iconografia, bem como nos debates teórico-metodológico acerca de reflexões pertinentes a esta pesquisa.
Desta forma, abordagens no campo da historiografia que se propõem a discutir a importância, os problemas, as dificuldades, as mudanças e as permanências na contribuição da história, no debate com a Sociologia, a Filosofia, a história Cultural e a Arte, tem sido de extrema relevância.
Portanto, a utilização de fontes documentais, orais e iconográficas nos propiciará agregar um valor qualitativo na elaboração e execução da nossa pesquisa.
CRONOGRAMA

AÇÃO
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR
MAIO
JUN
Reelaboração do projeto
X










Revisão bibliográfica
X
X









Elaboração do roteiro de entrevistas

X









Entrevistas com o grupo de grafiteiros “Uai Ter´s Crew”


X








Redação dos primeiros capítulos da monografia


X
X
X






Redação do trabalho final





X
X
X
X


Revisão









X

Apresentação










X


BIBLIOGRAFIA

BAGNARIOL, Piero. Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 2004.
BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro. A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BARRETO, Anna Flávia Arruda Lanna. Os centros de integração como espaços de manifestação da barbárie: um estudo de caso da história da violência em Belo Horizonte. 2005. 405p. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
BONITO OLIVA, Achille. American Graffiti. Roma: Panepinto Arte, 1998.
CHARTIER, Roger. À beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002.
CONNOR, Steven: Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
COSTA, Antonio Firmino da. Sociedade de bairro: dinâmicas sociais da identidade cultural. Oeiras: Celta, 1999.
DAYRELL, Juarez. A música entra em cena: o RAP e o FUNK na socialização da juventude em Belo Horizonte. 2001. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História Oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento hip hop. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretária da Cultura e Desporto, 1998.
FERREIRA, Lucas Tavares. O traçado das redes: etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole/ Lucas Tavares Ferreira.— Dissertação (Mestrado)-Universidade de São Carlos: UFSCar, 2007
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências sociais. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
HENRIQUE, Giovana Maria Nassif; PEREIRA, Doralice Barros. Escritos de rua- o grafite em Sabará uma representação do “outro”. 2006. 136p. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Howais da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969.
----------------------- A Práxis: a relação social como processo, in: FORACCHI, M.M e MARTINS, J. S. Sociologia e Sociedade. 21. ed., Rio De Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1997.
LODI, Maria Inês. A escrita das ruas e o poder público no projeto Guernica de Belo Horizonte. 2003. 234f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica De Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
PAIS, José Machado; BLASS, Leila Maria da Silva. Tribos urbanas: produção artística e identidades. São Paulo: Annablume, 2004.
PENNACHIN, Deborah Lopes; HANKE, Michael. Signos subversivos uma leitura semiótica de grafismos urbanos. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite, pichação e cia. São Paulo: Annablume, 1994.
RIOUT, Denys, GURDJIAN, Dominique, LEROUX, Jean-Pierre. Lê livre du graffiti. Paris: Societé Européenne des Arts Graphiques, 1990.
SANTOS, Rafael Guarato: O movimento hip hop em Uberlândia: dança, música e identidades urbanas, 2000. 19p. Artigo Científico. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2000.
VALENZUELA ARCE, José Manuel; ROCHA, Heloisa B.S.. Vida de barro duro: Cultura popular juvenil e grafite. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
VIANA, Maria Luiza Dias; VENEROSO, Maria do Carmo de Freitas. Dissidência e Subordinação um estudo dos grafites como fenômeno estético/cultural e seus desdobramentos. 2007. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
[1] O Projeto Guernica é um projeto que começou a ser gestado em Belo Horizonte em 1999, e ainda hoje se encontra em funcionamento, com o objetivo de implantar uma política pública referente às escritas das ruas, ou seja, voltada para o controle da pichação e também para o incentivo dos grafiteiros, porque são eles que participam da construção dessa política e foi neles que o projeto fez um grande investimento de formação e ensino para que estivessem aptos a um trabalho com os pichadores (LODI, 2003).

[2] Pichações são tipos de escrita urbana, em que consiste num certo tipo e/ou estilo de grafemas mediante os quais os jovens escrevem seus nomes, por meio de uma assinatura: as tags, uma escrita rápida, selvagem e agressiva. Utilizando-se para isso, de alfabetos estilizados, com conformações diferentes nos diferentes lugares, mantendo, porém o caráter enigmático que se tornará uma espécie de estilo bastante próprio e representativo da cultura urbana. As pichações valem-se mais do local em que são escritas, como exemplo: o alto dos edifícios, um viaduto, do que aquilo que dizem, ou seja, quanto mais difícil e proibido for o acesso para a execução dessa escrita, maior será o prestígio do pichador. Revelando assim, a sua possibilidade constitutiva que opera no âmbito da transgressão e do choque, (VIANA, 2007). TEMA

A LINGUAGEM CULTURAL E IDENTITÁRIA EXPRESSA PELO GRAFITE

APRESENTAÇÃO DO TEMA

Historiadores, cientistas políticos, sociólogos, filósofos, têm ressaltado em suas análises a importância desempenhada pela ação comunicativa nas relações humanas. Nesse ambiente, a busca por uma forma de comunicação que aproxime as pessoas, indo ao encontro de seus pares, faz com que as culturas urbanas desenvolvam formas alternativas de expressão. Afinal, o ser humano é conduzido por paixões e desejos que dão significados e sentido a suas ações (BARRETO, 2005).
Neste estudo o objeto de análise será o movimento do grafite como expressão de uma linguagem cultural e identitária na cidade de Belo Horizonte. A proposta desta pesquisa é estudar o grupo de grafiteiros, Uai Ters’s Crew, um grupo formado no ano de 2001, cuja maioria dos integrantes tiveram uma mesma origem de inserção no mundo do grafite, o Projeto Guernica[1].
Inicialmente, podemos nos perguntar a que tipo de movimento pertence os grafites, porque foram, e de certa maneira ainda são, compreendidos como originários de práticas subversivas. No entanto, nas civilizações mais remotas, eles se encontram presentes e revelam as marcas deixadas pelo ser humano do seu fazer material e imaterial em sociedade.
Por se tratar de um movimento urbano, o grafite abrange vários estilos, que foram se cristalizando ao longo do tempo a partir das relações existentes dentro do contexto e concepção social, político e cultural. Isso lhes confere uma natureza fragmentada, descontínua e coloca em questão os sistemas fixos de representação, que origina uma estética plural e múltipla. Porém ao longo do tempo, essa manifestação revela alguma coerência e identidade que lhe faculta o direito a uma história própria, com origens fundadas na expressão artística.
A efervescência e a efemeridade desta expressão das ruas requerem um tipo de análise historiográfica que supere seu caráter exclusivamente subversivo e que contemple uma investigação no campo cultural, a partir algumas discussões que têm origem na modernidade, tais como as relações dentro do campo social, explicitando assim as questões existentes entre o grafite e a vida desses sujeitos, o grafite e a política, o grafite a cultura de massa, cultura erudita e popular, cultura global e local e ainda entre o grafite e a arte. Segundo Dias (2007), os parâmetros estéticos e os valores a que estão submetidos os grafites, se encontram distantes dos modelos que serviram como referência às artes plásticas no passado. Nesse sentido, estão próximos das questões de efemeridade, de desmaterialização da obra, de uma nova dimensão cultural e de uma nova relação do grafite com o espaço público, que estão presentes no campo artístico desde o surgimento das vanguardas modernistas e dos desdobramentos na atualidade. (VIANA, 2007)
A intenção desta pesquisa não é a categorização do grafite apenas como uma forma de arte, mas a análise de sua linguagem e seu discurso, estabelecendo assim uma relação com a atual conjuntura histórica e social, com o intuito de explicar a relação entre o seu processo cultural e as suas motivações subjetivas. Cabe ressaltar que, dependendo da motivação, os grafites se submetem aos interesses individuais, coletivos, institucionais e até mesmo políticos. Sendo assim, existem momentos em que os grafiteiros lançam mão de seus procedimentos estabelecendo uma relação muitas vezes contraditória, porém de diálogo, entre a natureza underground de sua expressão com o campo histórico e social. Além dessa análise da relação entre o grafite e as sociedades contemporâneas, pretendo desenvolver este estudo focalizando outros aspectos relevantes para a análise, compreensão e explicação desse movimento juvenil, que tem ocupado os espaços públicos das grandes cidades de todo o globo. Por este motivo, pretendo buscar alguns pressupostos de outras áreas de conhecimento, propondo assumir um caráter interdisciplinar da história com a sociologia, a filosofia, a comunicação, a arte e a cultura, tornando-se assim as referências para a concretização da minha proposta de pesquisa.
O interesse pelo estudo dos grafites partiu da minha atual profissão, as artes plásticas, que me fez perceber o quanto essa produção cultural tem despertado o interesse de vários segmentos: o interesse na educação, com o objetivo de aproximar as crianças e os adolescentes de acordo com as questões ligadas ao universo das artes e das identidades de grupo.
O interesse das políticas públicas de Belo Horizonte, que através da ação do Projeto Guernica, idealizaram a proposta de promover efeitos de abertura nos grupos de grafiteiros, no que concerne a participação em outras idéias e concepções sobre a cidade e a ocupação de seus espaços. O objetivo é articular em torno dessa prática, a vivência e os conflitos gerados pela produção do grafite. Este fato se torna evidente, no que diz respeito à questão da ilegalidade, do risco e da repressão social. Outra áreas também se apropriam do grafite, como as artes, a moda e a mídia.
Este trabalho tem como foco cientifico, o estudo do grafite, como uma manifestação identitária e cultural dentro do diálogo com as relações históricas e sociais da contemporaneidade.
Vários estudos sobre o grafite serão fundamentais para a idealização desse projeto: “O guia ilustrado de grafite e quadrinhos” de Piero Bagnariol; “Vida de barro duro: cultura popular juvenil e grafite” dos autores, José Manuel Valenzuela Arce e Heloisa B.S Rocha; “American graffiti” de Achille Bonito Oliva; “Grafite, pichação e cia”., de Célia Maria Antonacci Ramos. Também utilizarei algumas teses e dissertações, que foram defendidas em Universidades brasileiras como: “A relação entre os grafites e o poder público” de Maria Inês Lodi; “Dissidência e subordinação:um estudo dos grafites como fenômenos estéticos/ cultural e seus desdobramentos” de Maria Luiza Dias Viena; “Signos subversivos uma leitura semiótica de grafismos urbanos” de Deborah Lopes Pennachin e Michael Hanke; “Etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole”, de Lucas Tavares Ferreira; “Escritos de rua- o grafite em Sabará, uma representação do “outro”” de Giovana Maria Nassif Henrique e Doralice de Barros Pereira. E as análises sobre juventude e hip-hop elaboradas por Juarez Dayrell. Outros autores que também serão importantes nessa pesquisa, por trazerem textos que me ajudarão a refletir sobre a cultura e identidade, são eles: Stuart hall, Michael Foucault, Lucilia da Almeida Neves Delgado, Antônio Firmino da Costa, José Machado Pais, Leila Maria da Silva Blass, Glória Diógenes, Henri Lefebvre, Steven Connor, dentre outros.
A proposta desse estudo é analisar o movimento grafiteiro como expressão cultural e identitária em Belo Horizonte, tomando como referência o grupo Uai Ter’s Crew. O nome do grupo, segundo entrevista realizada com participantes, surgiu de uma brincadeira a partir da forma pela qual s grafiteiros se autodenominam – escritores de rua, e também faz referencia à interjeição tipicamente mineira. Em meados de 2001, o grupo contava com apenas quatro participantes, o Hisne, o Warley, o Rakan e o Sandro (reconhecido no meio, como “Melão”). O grupo teve a sua formação pela afinidade entre os componentes. Em 2002 o grupo inicial, oriundo do Projeto Guernica, se uniu com outro grupo da comunidade da Vila Pinho. Ao longo do tempo houve a integração de outros grafiteiros.
Atualmente, o grupo conta com catorze integrantes. Ao longo do tempo o grupo foi adquirindo certo reconhecimento e sua formação atual não é estabelecida apenas como era na sua origem (uma união apenas pela identificação e pelo prazer recreativo da execução dos grafites). Hoje, os componentes do grupo estão constantemente participando de eventos, reuniões e encontros com outros grafiteiros. Alguns deles, já fizeram exposições, e outros, estão envolvidos em outros projetos, como é o exemplo do Sandro (Melão), que além de ser grafiteiro é estudante de Pedagogia, vive da arte e da educação, e está atualmente envolvido com projetos na área educacional, especificamente no projeto “Abrindo Espaço”, que promove oficinas de grafite dentro do espaço institucional da Escola Estadual Álvaro Laureano Pimentel. Em entrevista, o grafiteiro Sandro, relatou que: “Vivo da educação e da arte, levo para o meu trabalho artístico a linguagem da arte da rua” (Entrevista realizada em maio de 2008). Mesmo utilizando o grafite como uma profissão, para o entrevistado, o grafite é ainda um lazer.
Durante as entrevista, quando foi perguntado sobre quais as influências que eles tiveram para a realização do seu fazer cultural, os componentes do grupo, disseram terem sido influenciados diretamente, por alguns grafiteiros já renomados, como também pelo trabalho de alguns artistas plásticos. Entre os grafiteiros renomados foi quase unânime a influência de “Rezo”, um grafiteiro alemão, os Gêmeos e o Binho, (ambos brasileiros). Com relação aos artistas plásticos, citaram: Jackson Pollock, Frida Kalo, Miró, dentre outros. Durante as entrevistas, a maioria dos membros do grupo relataram ter entrado para o mundo do grafite pelo gosto e pela vontade de aprender a desenhar. Um componente em específico, o Rakan, disse que anteriormente a sua entrada no universo do grafite e do grupo, ele era um pichador[2].
Segundo relatado nas entrevistas, os encontros do grupo não possuem regularidade: “O grupo não tem uma periodicidade, uma regularidade desses encontros, às vezes nós nos encontramos de quinze em quinze dias, ou de mês em mês. Mas sempre que o grupo se reúne, sempre há uma discussão sobre o movimento do grafite, sobre a arte, os encontros não acontecem de forma oficial e regulada. (Entrevista realizada em maio de 2008).
O grupo relata ter um estilo “underground”: seus trabalhos dialogam com a cidade, e revelam a forma de como eles a sentem: “Nunca queremos brigar com a paisagem da cidade: a cidade é uma tela em aberto”. O grupo ressalta ainda que:

Em Belo Horizonte, existe uma abertura mínima para o movimento, a cidade é muito tradicional em relação à linguagem de rua. BH não é muito aberta para os grafiteiros, nós forçamos a utilização do espaço, o grupo quer intervir na cidade e se a cidade não abre espaços e não autoriza, nós nos apropriamos assim mesmo do espaço público. (Entrevista realizada em maio de 2008)

De acordo com o relato das entrevistas, o grupo elabora e desenvolve produções grafiticas que buscam ressaltar as dificuldades, as repressões, os medos, as angústias, a esperança por um mundo melhor e mais justo. Argumentam que, através do ato de pintar eles denunciam as injustiças e demonstram no espaço público que eles também aspiram por transformações, inserindo o movimento do grafite no jogo das relações sociais e de poder.
A proposta desta pesquisa é, tomando como referência o grupo Uai Ter’s Crew, compreender a inserção dos grafiteiros na sociedade belorizontina e analisar de que modo se forma a identidade desse grupo, em relação ao próprio grupo e aos demais. Este trabalho busca construir uma nova perspectiva nos estudos sobre a representação dos grafiteiros.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL
Compreender o movimento grafite em Belo Horizonte.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a. Analisar a história do movimento do grafite em Belo Horizonte.
b. Conhecer o Projeto Guernica.
c. Investigar a história do grupo Uai Ter’s Crew.
d. Analisar a performance dos grafiteiros como manifestação democrática dos jovens.

JUSTIFICATIVA

A justificativa desse projeto compreende os seguintes aspectos: relevância social, relevância cientifica e acadêmica e originalidade.
Por relevância social, podemos entender esse aspecto a partir do compromisso do Projeto Guernica, por meio do seu principal objetivo, de traçar uma política pública sobre o movimento dos grafiteiros em Belo Horizonte. Existe a proposta de incentivar esses sujeitos, em formação e ensino, para que assim possa haver uma diminuição do preconceito, da repressão e da ilegalidade desses sujeitos em relação ao campo social.
Por relevância cientifica, compreendemos a possibilidade desse projeto de pesquisa, contribuir para suprir as lacunas existentes sobre as pesquisas já oficializadas sobre o grafite.
A relevância acadêmica refere-se ao fato desse projeto constituir parte da rede de projetos de pesquisa desenvolvidos pelo Centro Universitário UNA.
A originalidade dessa pesquisa relaciona-se com a importância da efetivação de uma análise sobre o grupo: Uai Ter’s Crew, na análise da sua história em relação ao Projeto Guernica e na verificação das mudanças e das permanências da questão identitária dos sujeitos que se reconhecem como grafiteiros.
São aspectos que evidenciam a viabilidade deste projeto: a existência de um grupo, UAI TER’S CREW, onde os seus componentes se reconhecem e atuam como grafiteiros, dentro do espaço público de Belo Horizonte; a disponibilidade de fontes textuais e documentais relacionadas ao movimento do grafite.

PROBLEMATIZAÇÃO

Segundo Lodi (2003), o grafite pode se tornar um meio para, os jovens, adquirirem uma possível saída aos impasses existenciais e sociais a que estão sujeitos boa parte dos envolvidos nesta manifestação. Dessa forma, é perceptível que os grafites, tão próximos dos limites entre a lei e a transgressão dos jovens, funcionem como um redirecionamento para as ações positivas em suas vidas. O próprio hip-hop, que será abordado também nessa pesquisa, surgiu como uma alternativa frente às questões de violência e criminalidade juvenil, e entra como alternativa para superação dos problemas cotidianos. Arte e vida, imbricados num mesmo processo. Cair no tráfico de drogas ou pintar as paredes do bairro? Eis o dilema a que estão submetidos, muitas vezes, aos jovens dos bairros pobres das grandes cidades (LODI, 2003).
A partir dessa questão, explicitada pela Lodi (2003), instauramos como problematização de pesquisa, investigar as experiências e as vivências do grupo a ser analisado, levando em questão, o estudo e a compreensão dos impasses e das dificuldades da vida contemporânea .

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Num primeiro momento, proponho examinar o conceito da escrita, como necessária ao sujeito e como atrelada a um discurso. Sendo assim, a proposta desta pesquisa é investigar o grafite, percorrendo a trajetória de suas práticas, relacionando, as idéias da arte com o contexto histórico.
Sendo assim, torna-se necessário diferenciarmos a pichação do grafite e ressaltar que optaremos por esta grafia do termo, que consta nos dicionários da língua portuguesa, e não por graffiti. Contudo, a palavra graffiti será mantida quando aparecer em outros autores.
Segundo Lodi (2003), a maioria dos autores de ruas em Belo Horizonte, assim como nas outras cidades do Brasil, Américas, Europa, Estados Unidos, utilizam a palavra graffiti como emblemática, quase imprescindível à sua distância como grupo. Mantendo o termo grafite em português, podemos com mais propriedade interrogar um discurso e uma escrita que nos chegam de outros países. Na Europa e América do norte, o graffiti nomeia genericamente todas as formas de escrita das ruas, também referido como GRAFF, mas no Brasil, diferencia-se o grafite (ou graffiti) da pichação. (LODI, 2003).
O grafite, geralmente uma obra coletiva, acrescenta às letras da pichação o jogo de luz e sombra, o jogo de cores, o gigantismo, a perspectiva, e às vezes a imagem figurativa ou expressões e frases, formando um mural com pretensão de comunicar mensagens.
Assim, pode-se dizer de vários tipos de grafites, com diferentes conotações. Mesmo se nos restringimos às inscrições que usam o spray, o pincel, o rolinho, o giz, o lápis ou o estilete, ainda assim é grande a diversidade: há os “grafitos de banheiros”, como diz Barbosa (1984), há os pornográficos, há os que consistem em frases poéticas ou palavras de ordem de protesto ou reivindicação de cunho político, há aqueles ligados aos grupos esportivos ou religiosos, há os artísticos. (LODI, 2003).
O termo graffiti é o plural de graffito, em italiano. Foi nesta forma plural que ele estabeleceu na França, na Alemanha, na Holanda, nos Estados Unidos e em outros países, bem como no Brasil, para designar as inscrições urbanas, esta escrita artesanal ou artística das ruas. (LODI, 2003).
No dicionário Houaiss (2001) encontramos o grafite para designar o rabisco, o desenho ou letra nas paredes, muros ou monumentos de uma cidade, e poderíamos acrescentar: nos viadutos, caçambas de entulhos, orelhões, meio-fios, trens e metrôs, portas, portões, ruínas e áreas degradadas e até nas telas das galerias de arte.
Riout (1990), tentou uma diferenciação, ao considerar o graffiti como forma de mensagem a partir dos anos 1960, o caligraffiti, como aquele que tem por objetivo ver os nomes espalhados pelos metrôs e o picturograffiti, o que se inspira nas pinturas.
O termo é amplo, e não cabe no âmbito do projeto desvendarmos todas as possíveis conceituações do grafite, o que será explorado no desenvolvimento desta proposta de pesquisa. Proponho nesse momento fazer um breve levantamento do contexto que determinou a explosão do grafite, como forma de manifestação.
O cenário atual do grafite está diretamente ligado( mas não exclusivamente) ao desenvolvimento do hip-hop no Brasil, desde meados da década de 1980. O hip-hop origina-se nos bairros negros e pobres de Nova York, na década de 1970, surgindo como uma forma de expressão de cunho étnico, dos jovens afro-americanos e em poucos anos disseminou-se entre o grupo de jovens negros de outros países. (FERREIRA, 2006)
O hip-hop é formado por elementos expressivos distintos, a música rap, a dança, conhecida como break ou street dance, já o grafite, é a expressão visual e se manifesta como a arte plástica do hip-hop, que também surgiu na cidade de Nova York, no início dos anos 1970. A gênese deste elemento é atribuída a Demétrius, um jovem de origem grega que escrevia suas tags, ou seja, assinaturas, como forma de expressar o isolamento dos guetos. Os principais alvos dos grafiteiros eram os trens, pois estes circulavam por todas as regiões urbanas, fazendo com que a mensagem fosse lida por pessoas de toda parte da cidade. Porém, o poder público reagiu, criando espaços exclusivos para a prática da arte do grafite (SANTOS, 2006). Configuram-se então os quatro elementos do hip-hop: o MC, ou mestre de cerimônias, que é o cantor do RAP, o DJ ou disk jóquey, que comanda as bases musicais, através de toca-discos, sobre a qual os MC’S rimam suas letras, o B. BOY ou break boy e a B. GIRL, são os que dançam, e o grafiteiro propriamente dito, que é quem intervém através da arte visual. (FERREIRA, 2006)
Apesar de muitos grafiteiros reivindicarem o início do grafite no Brasil relacionando-o ao mundo do hip-hop, anteriormente já havia toda uma geração que fora às ruas para fazerem o grafite. Mesmo nos EUA, o surgimento do grafite é anterior a sua incorporação ao hip-hop. O grafite, realizado com o spray surge nos muros de Paris, em maio de 1968, como uma forma de manifestação cultural e política. Nos EUA, os jovens dos guetos, de origem negra e hispânica começam a fazer suas tags em bairros e no metrô, tomando em pouco tempo, a cidade de Nova York, por completa. No início os jovens usavam os chamados canetões, para logo em seguida utilizarem tintas e o spray, surgindo nesse contexto o hip-hop, que incorpora essa manifestação visual ao seu universo. (FERREIRA, 2006).
No contexto dos anos 1970 e 1980, surgem alguns nomes que fizeram com que o grafite adquirisse novos olhares, nomes como o de Basquiat, Keith Haring e Kenny Scharf, passaram a desenvolver e elaborar desenhos figurativos e em pouco tempo adquiriram notoriedade de artistas e levam as suas produções, que anteriormente eram expressas nas ruas para dentro das galerias de arte moderna. No Brasil, Alex Vallauri, que era ítalo-etíope e que residia no Brasil desde 1964, foi influenciado diretamente por esses indivíduos e é identificado como o pioneiro do grafite no Brasil. Paulo Vallauri, tal como os seus contemporâneos estrangeiros, foi reconhecido e participou de três bienais em São Paulo e desenvolveu uma técnica de pintar com moldes vazados, conhecida como Stencil Art, que possibilita grande agilidade e rapidez na sua realização, sempre é bom lembrarmos que nesse contexto, o Brasil, vivencia o período militar. A partir de Vallauri, surge a primeira geração de grafiteiros, como Maurício Villaça, John Haward, Ozéas Duarte, Vado do Cachimbo e o grupo Tupinãodá. (FERREIRA, 2006).
Glória Diógenes (1998) refere-se ao hip-hop como um movimento de jovens na periferia, que existe nas grandes metrópoles de quase todo o planeta, (DIÓGENES, 1998, p.24).
A partir daí, e com a estruturação de um discurso que correu o mundo, o conteúdo de idéias disseminou-se, transmitido oralmente, mas também por meio do suporte do mercado de consumo, com lojas e publicações especializadas. Esse discurso passa uma ideologia que prega a paz, a não-violência, o repúdio às drogas, a solidariedade entre os seus adeptos (“os manos do hip-hop”, sejam eles pichadores, grafiteiros, rappers, breakers, Dj’s), a formação de gangues, galeras ou crews com a predominância de jovens do sexo masculino, a conclamação à produção em grupo, (seja ela um rap, um grafiti ou um break), e ainda o uso de termos, tal como concebidos na origem, em Nova York como: WRITES, CREWW, TAG, OLD SCHOOL, NEW SCHOOL, WILD STYLE, FREE STYLE, THROW UP, STICKERS. A escrita que surge como efeito desse discurso também tem seus códigos e padrões peculiares, com prioridade para as letras, em geral ininteligíveis. (LODI, 2003).
Segundo Lodi (2003), em Belo Horizonte, os primeiros grafiteiros são chamados de “dinossauros” e esforçam-se para manter vivo o que chama de “grafite de raiz”, “o real grafite”, ou ainda a “essência do grafite”, condizente com “a história real do hip-hop”, o “hip-hop de raiz”, um movimento que prega um modo de viver e de pensar. A autora afirma que o movimento do hip-hop em Belo Horizonte, está mais próximo de suas origens do que em São Paulo e argumenta que hoje no Brasil, “o movimento”, no Brasil é mais puro do que nos EUA. Tendo como objetivo, conscientizar os jovens da periferia e explicita certa consciência que os integrantes do hip-hop tem acerca de seu movimento, indicando uma reflexão acerca de suas práticas. Nesse viés, o grafite, como elemento do hip-hop, é uma saída para os impasses da vida desses jovens. (LODI, 2003).
A diversidade de linguagens, as múltiplas experiências sensoriais, o ativismo político, a dissolução das fronteiras entre a arte e a vida e a aproximação com o cotidiano e com a cultura popular urbana foram questões que impulsionaram as manifestações das vanguardas e neo-vanguardas e estabeleceram uma relação direta com os grafites. Em todos os sentidos, tanto os grafites quanto as vanguardas foram processos gerados na esfera da desordem social, nas zonas de liberdade, onde emergem grupos que se afirmam em oposição ao consenso e buscam uma mensagem de ruptura. Nessa condição incluem-se os grafiteiros, que produzem um modo de vida desvencilhado da ordem social tradicional. (VIANA, 2007)
Dias (2007), explicita que, mesmo que os grafiteiros brotem da sub-cultura, do underground, eles cruzam-se com os campos da arte e da política, porque se movimentam em várias direções, depois retornam à rua. Eles se refazem a partir de outros fluxos à sua volta, como por exemplo: à mídia, a moda e às vezes fundem-se com outros gêneros, alternam, variam, sofrem abalos, movem-se para um lado e para o outro e mesmo que tenham suas formas absorvidas, a sua linguagem apropriada pelos diversos meios, haverá sempre algo na sua essência que irá existir para aquém e para além das formas instituídas, com a mesma autonomia na qual se desenvolvem as estruturas anárquicas. A força vital do grafite reside na sua potencialidade em resistir às coerções sociais e a latência de sua forma vincula-se à sua centralidade informal. (VIANA, 2007).
Dentro do movimento do grafite, os indivíduos que ali estão inseridos, se identificam e se denominam escritores das ruas, e são, em geral, jovens, do sexo masculino, moradores de bairros populares e portam um discurso articulado ao movimento do hip-hop, oriundo dos EUA. (LODI, 2003).
Entretanto, essa identidade não é tão cristalizada. Segundo Lucas Tavares (2006), existe uma tensão entre o grafite e o hip-hop, que só pode ser entendida dentro de um sistema mais amplo que os engloba e que diz respeito às sociabilidades entre o que é da periferia. Tais conflitos envolvem na apenas o graffite, mas também o BREAK, a PIXAÇÃO, o SKATE, tratando-se, portanto, de tensões próprias à dinâmica destas formas de sociabilidades que ao mesmo tempo em que reivindicam certa unidade em torno das experiências vividas nas ruas da metrópole, procuram se diferenciar na busca da valorização de uma autenticidade. (FERREIRA, 2006).
Segundo Viana (2007), a intertextualidade, a polissemia, a estrutura aberta, o desafio à originalidade e autenticidade, leva ao prazer da obra desconstrutivista que desmembra antigas formas para criar outras novas, transformando, desestruturando e tomando outras de empréstimos, invadindo ou construindo espaços e territórios reais e virtuais. Enquanto forem práticas exclusivas dos jovens, os grafites, sempre ressurgirão, em diferentes estilos, com maneiras diferentes de opor aos parâmetros institucionais da sociedade. É próprio da juventude, buscar formas avessas à família, à autoridade e que potencializem espaços neutros, reais ou virtuais de formação de redes de sociabilidades específicas das linguagens, a partir das quais os jovens se sintam inseridos na sociedade e assim possam constituir as suas identidades. (VIANA, 2007).

METODOLOGIA

A metodologia é um ponto de crucial importância para o historiador, haja vista que existe certa dependência do mesmo em relação a pressupostos teóricos e metodológicos, o trabalho com arquivos, dados da realidade, com critérios de cientificidade devido às técnicas próprias da disciplina, diferenciando a produção de um historiador da de um literário convencional (SANTOS, 2006). Como afirma Chartier (2002), mesmo que o historiador escreva de forma “literária”, o historiador não faz literatura.
Optamos por adotar uma metodologia de pesquisa qualitativa, por considerar a proposta de estudo em questão um fenômeno de natureza de grande complexidade. Segundo Goldenberg (2002), as pesquisas qualitativas “se opõem ao pressuposto que defende um método único de pesquisa” (GOLDENBERG, 2002, p. 16).
Para que possamos percorrer o caminho da construção desta pesquisa acadêmica, estipulamos como base metodológica a utilização de fontes documentais, a fonte oral e a fonte iconográfica.
Durante a realização da pesquisa bibliográfica foi escolhido como critério de seleção para a revisão e análise a utilização específica sobre o movimento do grafite na cidade de Belo Horizonte.
Ressaltamos que a grande parte dos trabalhos que abordam essa temática o fazem por meio de uma discussão sociológica, antropológica e artística, existindo poucas discussões historiográficas a respeito dessa temática.
Em função das limitações verificadas na coleta de dados quantitativos e de sua pouca utilidade para a discussão que se pretende fazer, achamos conveniente a realização de uma pesquisa qualitativa, baseada na coleta de depoimentos, ou seja, entrevistas realizadas no mês de Maio de 2008, com os componentes do grupo Uai Ter’s Crew, a entrevista procurou abordar a história do grupo.
O uso da metodologia de história oral nesta pesquisa teve a intenção de conhecer a história do grupo, bem como, preencher as lacunas deixadas pelas fontes escritas analisadas, por meio dos depoimentos orais dos sujeitos históricos envolvidos na temática abordada. Ressaltamos que este tipo de abordagem e tratamento metodológico tem-se voltado tanto para os estudos das elites e políticas públicas estaduais, como também para a recuperação da trajetória dos setores e dos grupos excluídos, cujas fontes escritas são precárias. No primeiro caso, o uso de depoimentos orais vem contribuir para a análise dos documentos oficiais, sobretudo o que se refere à tomada de decisões e lacunas observadas nos dados documentais. No segundo caso, o uso de fontes orais constitui instrumento de construção de identidade e de transformação social (BARRETO, 2005).
Nessa perspectiva, o campo da história oral, ao mesmo tempo em que funciona como recurso de investigação pelo historiador, torna viva a versão de indivíduos que não tiveram a chance de expressarem-se ou de registrar suas histórias outrora, podendo assim, dar voz a fatos e acontecimentos até então desconhecidos (SANTOS, 2006).
Também de valor imprescindível é o estudo da iconografia que se propõem a discutir as intervenções de grafite realizadas pelo grupo em questão. As ilustrações utilizadas nessa pesquisa serão valiosos recursos que por si só constituem textos expressivos, por fornecerem dados que escapam aos registros escritos e também por nos dar a possibilidade de assim elaborarmos uma série de questionamentos num verdadeiro processo de investigação. Essas imagens transmitem uma linguagem que vão além do que está aparentemente representado. A iconografia nos possibilitará criar novos focos de análises sobre a questão da identidade cultural, do grupo, na sua inserção no movimento do grafite, em Belo Horizonte.
O referencial bibliográfico tem nos fornecido sustentação teórica para o desenvolvimento do trabalho em relação aos depoimentos orais, quanto nas análises de documentos, da iconografia, bem como nos debates teórico-metodológico acerca de reflexões pertinentes a esta pesquisa.
Desta forma, abordagens no campo da historiografia que se propõem a discutir a importância, os problemas, as dificuldades, as mudanças e as permanências na contribuição da história, no debate com a Sociologia, a Filosofia, a história Cultural e a Arte, tem sido de extrema relevância.
Portanto, a utilização de fontes documentais, orais e iconográficas nos propiciará agregar um valor qualitativo na elaboração e execução da nossa pesquisa.

BIBLIOGRAFIA

BAGNARIOL, Piero. Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 2004.
BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro. A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BARRETO, Anna Flávia Arruda Lanna. Os centros de integração como espaços de manifestação da barbárie: um estudo de caso da história da violência em Belo Horizonte. 2005. 405p. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
BONITO OLIVA, Achille. American Graffiti. Roma: Panepinto Arte, 1998.
CHARTIER, Roger. À beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002.
CONNOR, Steven: Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
COSTA, Antonio Firmino da. Sociedade de bairro: dinâmicas sociais da identidade cultural. Oeiras: Celta, 1999.
DAYRELL, Juarez. A música entra em cena: o RAP e o FUNK na socialização da juventude em Belo Horizonte. 2001. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História Oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento hip hop. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretária da Cultura e Desporto, 1998.
FERREIRA, Lucas Tavares. O traçado das redes: etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole/ Lucas Tavares Ferreira.— Dissertação (Mestrado)-Universidade de São Carlos: UFSCar, 2007
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências sociais. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
HENRIQUE, Giovana Maria Nassif; PEREIRA, Doralice Barros. Escritos de rua- o grafite em Sabará uma representação do “outro”. 2006. 136p. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Howais da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969.
----------------------- A Práxis: a relação social como processo, in: FORACCHI, M.M e MARTINS, J. S. Sociologia e Sociedade. 21. ed., Rio De Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1997.
LODI, Maria Inês. A escrita das ruas e o poder público no projeto Guernica de Belo Horizonte. 2003. 234f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica De Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
PAIS, José Machado; BLASS, Leila Maria da Silva. Tribos urbanas: produção artística e identidades. São Paulo: Annablume, 2004.
PENNACHIN, Deborah Lopes; HANKE, Michael. Signos subversivos uma leitura semiótica de grafismos urbanos. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite, pichação e cia. São Paulo: Annablume, 1994.
RIOUT, Denys, GURDJIAN, Dominique, LEROUX, Jean-Pierre. Lê livre du graffiti. Paris: Societé Européenne des Arts Graphiques, 1990.
SANTOS, Rafael Guarato: O movimento hip hop em Uberlândia: dança, música e identidades urbanas, 2000. 19p. Artigo Científico. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2000.
VALENZUELA ARCE, José Manuel; ROCHA, Heloisa B.S.. Vida de barro duro: Cultura popular juvenil e grafite. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
VIANA, Maria Luiza Dias; VENEROSO, Maria do Carmo de Freitas. Dissidência e Subordinação um estudo dos grafites como fenômeno estético/cultural e seus desdobramentos. 2007. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
[1] O Projeto Guernica é um projeto que começou a ser gestado em Belo Horizonte em 1999, e ainda hoje se encontra em funcionamento, com o objetivo de implantar uma política pública referente às escritas das ruas, ou seja, voltada para o controle da pichação e também para o incentivo dos grafiteiros, porque são eles que participam da construção dessa política e foi neles que o projeto fez um grande investimento de formação e ensino para que estivessem aptos a um trabalho com os pichadores (LODI, 2003).

[2] Pichações são tipos de escrita urbana, em que consiste num certo tipo e/ou estilo de grafemas mediante os quais os jovens escrevem seus nomes, por meio de uma assinatura: as tags, uma escrita rápida, selvagem e agressiva. Utilizando-se para isso, de alfabetos estilizados, com conformações diferentes nos diferentes lugares, mantendo, porém o caráter enigmático que se tornará uma espécie de estilo bastante próprio e representativo da cultura urbana. As pichações valem-se mais do local em que são escritas, como exemplo: o alto dos edifícios, um viaduto, do que aquilo que dizem, ou seja, quanto mais difícil e proibido for o acesso para a execução dessa escrita, maior será o prestígio do pichador. Revelando assim, a sua possibilidade constitutiva que opera no âmbito da transgressão e do choque, (VIANA, 2007).